A flexibilização do pacta sunt servanda é extraordinária, mas possível
A teoria da imprevisão é um conceito antigo. Já na Babilônia o Código de Hamurabi (1.772 a.C.) trazia sentença descrevendo a situação em que um evento natural devastador desobrigaria o devedor do pagamento naquela colheita.[1] Embora a ideia de contrato fosse mudando ao longo dos séculos, desde sempre o Direito admitiu exceções ao pacta sunt servanda, a força obrigatória das avenças.
E a expressão que mais bem traduz o conceito desta exceção é a cláusula[2] rebus sic stantibus[3] (“estando assim as coisas”), segundo a qual a obrigatoriedade dos contratos deve ser filtrada pelas circunstâncias que envolvem o momento da sua execução.
Autores renomados ao longo dos tempos têm enfrentado a questão centrando na fórmula rebus sic stantibus diversas teorias que a tomaram por base. Há quem faça distinções ou aponte nuances, mas a doutrina majoritariamente converge para unificar o conceito da flexibilidade dos contratos em torno da teoria da imprevisão.
Depois de séculos hibernando, e inobstante algumas esparsas menções legais européias[4], só ganhou consistência teórica depois da Primeira Guerra, sendo aos poucos positivada na legislação de muitos outros países do Velho Continente e daí para o resto do mundo.
Numa definição mais direta, a teoria da imprevisão considera que, havendo mudança, a execução da obrigação contratual pode não ser exigível nas mesmas condições pactuadas originalmente, o que leva a uma ideia de inexigibilidade ou exigibilidade diversa. Aquela quando absolutamente impossível a execução, levando à resolução; esta quando relativamente impossível, atraindo a revisão. Neste caso a obrigação continuaria exigível, mas não nas mesmas condições.[5]
Para Adriano Castro (loc. cit.), a teoria da imprevisão embute a “concessão ao juiz do poder de rever contratos particulares a requerimento de uma das partes quando eventos posteriores à contratação tornam ruinosa a prestação avençada”.
Dito isto temos que rebus sic stantibus pode ser definida como a cláusula que permite a revisão das condições do contrato de execução diferida ou sucessiva se ocorrer, em relação ao momento da celebração, mudança imprevista, razoavelmente imprevisível e inimputável aos contratantes nas circunstâncias em torno da execução do contrato, que causem desequilíbrio na relação das partes, de modo que uma aufira vantagem em detrimento da excessiva onerosidade suportada pela outra.
Para Washington de Marros Monteiro[6] a imprevisão é a “nova indumentária com que modernamente se apresenta a velha cláusula rebus sic stantibus”. Na mesma toada, Walter Brasil Mujalli[7] imbrica a rebus com imprevisão e a vincula ao excesso de onerosidade.
Luiz Roldão de Freitas Gomes[8] adverte que nem todos os elementos da teoria da imprevisão estão contidos na lei, dada a construção doutrinária.
Citando Orlando Gomes, Roldão (loc. cit.) aponta a onerosidade excessiva como requisito da teoria da imprevisão e diz que a prestação deve ser onerosa “a qualquer pessoa que se encontrasse em sua situação”.
Há diversas correntes e nuances da teoria da imprevisão e outras teorias correlatas (base objetiva, onerosidade excessiva, pressuposição etc), mas a maioria dos civilistas concordam que todas tem base comum, que é a cláusula rebus sic stantibus. Por todos, Maria Helena Diniz[9] diz que o Código Civil “abraçou a teoria da equivalência contratual e a da imprevisão”. Ao comentar o art. 317 (op. cit., p. 329), afirma que a combinação deste dispositivo com os arts. 478 a 480 representa a aceitação da teoria da imprevisão.
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